“Seja fiel a ele ao ponto de cuidar para não amadurecer demais e apodrecer sem ser bem degustado”, orienta Eli Efi aos amantes do hip-hop

Fundador do grupo DMN, Eli Efi sempre liderou a bandeira da liberdade e da revolução, defensor assíduo de causas raciais e com um discurso áspero e contundente o MC hoje se divide entre a música e o trabalho formal de Educador Social nos Estados Unidos, radicado no pais desde 2004, Eli Efi adquiriu novos hábitos e amadureceu sua música, seus pensamentos e ideais.

Respeitado no cenário do Rap Nacional Eli Efi sentiu-se à vontade para participar de uma entrevista mais opinativa, sem papas na língua e com uma visão atual, mas ao mesmo tempo delimitada por valores de amor ao hip-hop, o MC fala sobre Rap Americano, nova geração, literatura e outros assuntos.

A música recém lançada por Eli Efi, “Viver e Vencer” é uma ótima trilha sonora para se ouvir enquanto você lê a entrevista abaixo, originalmente publicada na nossa revista impressa:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/154360445″ params=”color=ff5500&auto_play=true&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false” width=”100%” height=”166″ iframe=”true” /]

No Brasil a literatura é um elemento muito presente no Hip-Hop e principalmente no Rap, vemos Saraus idealizados por rappers, MC escrevendo livro, participações de poetas em discos de rap, chegando o conhecimento ser considerado o quinto elemento do Rap. Fora do país existe esta junção? Como você analisa esta mistura?

A Literatura sem duvidas é fundamental não só por conta do hip-hop em si, mas para a superação dos obstáculos na vida. Conhecimento é o passaporte para ir mais além do que se acredita e deseja alcançar. Sou feliz em saber que o Nosso hip-hop foi muito valente nessa missão que tem seus êxitos expressivos  por conta de pessoas que conseguiram mostrar o poder da literatura e que são hip-hop também.

O hip-hop aqui é a cultura popular, então determinadas coisas já fazem parte mesmo do cotidiano  dessa cultura tem feito no quesito transformação. Aqui tem tudo isso e muita gente do hip-hop faz parte de organizações.  O legal é que também tem gente que não é do hip-hop diretamente mais a filosofia dessa cultura é expressiva, o trabalho que o hip-hop realiza seja ele na literatura, na poesia, na arte plástica e no dia a dia. Existe um departamento de cultura hip hop dentro da  Universidade Harvard, uma das Universidades mais importante dos Estados Unidos. Graças a tudo que o hip-hop brasileiro pode fazer no sentido de formar pessoas, tivemos a honra de ter uma pessoa brasileira que esteve por alguns meses lá e levou bastante material brasileiro pra dentro desse arquivo de hip-hop  numas das Universidade mais cobiçada do mundo.

Rappers como Emicida, Projota e Rashid se tornaram queridos em diferentes classes sociai, eles vão em diferentes programas de televisão, falam de amor em suas letras e dispensam rótulos de underground. Uma parcela do Rap vê neles o retrato de uma cultura que deixou de ser de periferia para ser tornar Pop. Como você analisa este cenário e a atitude desta parcela do Rap.

A minha analise sobre isso é que temos que parar de achar que existe um padrão para fazer as coisas dentro do hip-hop. Não devemos colocar camisa de força numa cultura porque se colocou a serviço de problemas sociais, culturais e raciais. Acho importante cada um fazer aquilo que tem aptidão para fazer e fazer bem, e que não fiquem atrelado no que as pessoas vão pensar ou reclamar.

Existem coisas que são mesmo para nos dividirem e acabam cumprindo com esse papel, quando essas situações vem a tona. Acho mais importante  as pessoas apoiarem de fato o hip-hop porque é comum julgarmos os que conseguem ir mais além e por outro lado as pessoas querem músicas conscientes mas não compram os discos, não querem pagar o show, não propagam o artista ou grupo nas redes sociais, isso acaba tirando força daqueles que estão fazendo a música  ou a arte de maneira mais profunda, social e radical, que acabam desistindo por não conseguirem manter seu trabalho vivo.

Tudo Requer persistência, dedicação, tempo e amor que no final do dia são sacrifícios que fazemos para poder propagar o que acreditamos. Por isso que acho válido as pessoas começarem a refletir de que forma tem apoiado o hip-hop e os artistas mais voltado por essas questões polemicas por se tratarem da realidade. Por outro lado a músicas do Projota, Rashid, Emicida, Kamau tem muita coisa importante sendo dita. A maneira que eu analiso as coisas é utilizando o que realmente serve pra mim o que não serve deixo quieto. No meio de uma dúzia de laranjas boa pode ter uma que não preste e o certo e jogar fora e consumir as que são boas, tudo na vida é assim também.

Tem gente falando mal dos caras e ouvindo Lil Wayne, Rick Ross que ai sim não tem nada de compromisso e o que é pior injetando pensamento pervertido, egoísta e consumistas na cabeça dos jovens. Vai entender neh!

eliefi-rapnacional10

Depois do DMN você seguiu carreira solo e foi viver sua vida de uma maneira mais independente, grupo de rap como víamos antigamente começam a se extinguir e seus componentes seguem carreira solo. Na sua opinião, porque esta opção se tornou mais comum nos últimos tempos?

Na verdade acho que isso já acontece ha muito tempo em outros estilos musicais. Quando se tem um grupo são varias cabeça pra pensar e nem todos pensam igual. Em determinado momento a melhor coisa é fazer o que for melhor para que uma família -que é a maneira que vejo um grupo- não virem inimigos por falta de concordância. Nem tudo é pra sempre e tudo serve de amadurecimento.  Eu me formei no DMN, meu mestrado de vida, mas não posso ser egoísta de querer levar o grupo só com a forma que penso no meu caso. Sei que também existe o lado comercial das coisas que o público acaba sempre elegendo uma pessoa como referencia do grupo e isso pra quem não tem pé no chão acaba se tornando ego no sentido de achar ser melhor que os parceiros, tem vários lados essa parada, mas enfim, eu acredito que chega uma hora que as pessoas querem ser mais ousadas, ver suas próprias ideias fluírem e isso ajuda porque você acaba fazendoas coisas a sua maneira.

O que mudou no Rap Nacional da época em que você começou até os dias atuais?

Rsss…Tá mais moderno! Na verdade acho que mudou no processo natural de tudo. Evoluiu e muitos já conseguem fazer sua própria música o que antes dependia de pessoas que não assimilavam 100% nossas ideias. Com todo o avanço tecnológico essa geração mais jovem do hip-hop tem feito grande uso e propagado pra mais longe as ideias de que o Brasil tem um a força incrível através do hip-hop. Vejo que cada geração tem sua forma de trampar e as novas vias são validas se forem para somar. O nosso tempo foi de aceitação, muita gente criticava e não entendia qual que era o papel do hip-hop e por isso chamava de “Os Meninos do hip-hop, a Molecada do hip-hop” e por ai vai, depois passou a ser objeto de pesquisa por universitários e criadores de teses( já ganhando mais prestigio). Por isso acredito que todo principio é difícil e muitos de nós demos pontapé inicial de alguma forma. Uns com músicas mais suaves, temas mais leves e outros mais polêmicos como o próprio DMN, Racionais, Face Negra, Cambio Negro, Sistema Negro, Vitima Fatal e por ai vai.Pra resumir, o hip-hop hoje esta estabelecido, tem cabeça,corpo e pernas para continuar caminhando.

O que falta para uma maior evolução em nossa cultura?

Na minha visão falta os pretos acreditarem nos pretos e investirem nisso de maneira digna e honesta com os artistas dessa cultura. A indústria Brasileira é racista e não quer assumir o hip-hop da mesma forma que assume o Funk por exemplo. O hip-hop ainda é a pedra no sapato do sistema mesmo sendo um pouco mais suave falando da quebrada por quebrada. Tem mensagem de descaso e de falta de humanidade às vezes na última frase de um verso da música, mas tem. A indústria quer música que anestesia com a maquiagem de “diversão” porque isso na verdade não desperta consciências e se torna contra eles mesmos que não querem esse monte de gente preta e a periferia sincronizada na mesma luta, ideias ou postura. Sem contar que isso não é só um lance da perifeira porque a classe media já assimilou muita coisas até por forma de segurança que muita coisa precisa urgentemente ser feita e mudada. Então com isso acabam legitimando o hip-hop que contesta da forma deles, mas tá valendo também.

O Brasil tem a visão muitas vezes passada pela mídia de que o Rap americano prega a ostentação, os vídeos clipes e o modo de vida dos principais cantores mostra uma realidade bem diferente da que nós vivemos, isto realmente acontece ou é algo mais ilusório vendido pela mídia?

Sim acontece sim, os caras estão milionários, não moram mais no gueto e se sentem poderosos no sentido mostrar esse “poder” mesmo sendo de forma negativa. Tudo acaba sendo exagerado demais, muito luxo, muito diamante, muita mulher,  muita bebida cara, muito carros e etc.,o que acaba levando uma geração que acompanha isso a pensar que vai ter tudo isso ou até mesmo querer viver isso sem poder, aí vemos mais jovens fora da escola e vendendo drogas pra poder estar mais ou menos parecido com que os artistas de hip-hop mostram pra ele.

Eu trabalho em escola pública como Arte Educador para jovens na facha etária de 11 a 14anos e as conversas deles já são muito estrela, viagem total, sem pés no chão e humildade zero, porque não conseguem pensar de maneira “Step by Step”.

Para mim, muitas vezes parece que regredimos um pouco e voltamos a época dos Black Faces,onde quanto mais exagero, faziam os brancos se divertirem. Se analisarmos mesmo está bem parecido, com um pouco mais de luxo. Parecemos Caricaturas quando os vídeos tem os caras cheios de diamante os maiores possíveis e as expressões cada vez mais exagerada. Temos que refletir sobre isso porque por incrível que pareça a industria do hip-hop aqui(Estados Unidos) é dominada pelos brancos. Acho meio estranho tudo isso quando vejo alguns vídeos ou shows de top de hoje. Enfim, é o que eu Eli Efi penso, isso não é o hip-hop.

eliefi-revistarapnacional10

O que você tem ouvido de Rap Nacional e nos indica?

Eu tenho ouvido um pouco de tudo, sou bem eclético, até para ver qual que é, eu ouço as coisas que todos estão falando algo, tenho ouvido bastante o Criolo, gosto do jeito único dele, forma de escrever poeticamente. Tenho acompanhado alguns grupos novos e velhos, gosto muito do Rael Da Rima, Do potencial da Flora Matos em cantar e escrever(gosto disso), Rapadura(gosto demais). E os que nunca perderam lugar na minha seleção de musicas que é o Gog, Dexter, Racionais, entre outros.

Fale um pouco de como anda sua carreira.

Minha carreira está voltada para continuidade. Gosto de produção de música sempre quis produzir  e há poucos anos conseguir fazer o meu Studio em casa, estou curtindo demais tudo isso. Tenho um álbum quase pronto que ainda não lancei porque quero realmente estar seguro do que vou colocar no mundo. Penso no meu amadurecimento em todos esses anos e o quanto sou adulto hoje pra não querer copiar o que um jovem de 23 faz só para que eu esteja no jogo. Acho incrível pessoas como por exemplo o Zeca pagodinho  e o Djavan que conseguem levar três ou mais gerações para ver o mesmo show. Acho que isso é um desafio grande .Acredito ainda no poder das palavras e da expressão que pode tocar as pessoas e independente de  idade, geração, sexo.

Vou com certeza lançar o meu álbum o mais rápido possível porque tenho milhões de ideias e preciso despachá-las, rsrs.

Tenho feito muitas coisas aqui e as pessoas tem gostado muito(canto em Português sempre, só de raiva, rsrs) cresci ouvindo música internacional sem entender nada, agora é minha vez da dar o troco!

[youtubewd]jDAWv-67dOU[/youtubewd]

Existe uma certa divisão não totalmente declarada entre diferentes “estilos” de Rap no Brasil, o que você acha destas divisões?

Perca de tempo! Atirando no próprio pé! Desnecessário! Acho que diferentes estilos são positivos, seria ruim todos fazendo do mesmo jeito como formula neh. O que seria do verde se não tivesse o amarelo, todos já ouviram isso neh!? Porque na realidade é isso mesmo. O que o Povo não sabe é que divisão enfraquece e não é disso que precisamos, já fomos divididos quando fomos sequestrados da África então mais divisões só vão acelerar ainda mais o processo de descaso.

Não quero que hip-hop só tenha força nas campanhas políticas onde os candidatos veem o poder de comunicação que o hip-hop tem com a periferia e por isso é só elogios nessa época, rsrs.

Acredito que temos que ser mais ligeiros nessa questão, porque o prejudicado somos nós mesmo, mais ninguém!

[youtubewd]8QHJn1EkTL0[/youtubewd]

Deixe um salve .

Obrigado a todos pelo convite e permitir esse espaço onde posso expressar alguns pensamentos  e obrigado também a todos que sempre me apoiaram e estão comigo mesmo eu não estando morando mais  no Brasil, terra que amo muito.

Continue apoiando o hip-hop por tudo que ele já fez para o povo no planeta e seja fiel a ele ao ponto de cuidar para não amadurecer demais e apodrecer sem ser bem degustado!

Paz a todos!

Esta entrevista foi originalmente publicada na Revista RAP NACIONAL N°6, que traz o rapper Mano Brown na capa. Clique aqui e adquira a sua por apenas R$10,00 com frete grátis para todo o Brasil!

Avatar