ARTIGO: Os Reis da Rua – Por Toni C.

Toni C.*

Um dia desses correram para me contar do bate boca entre rappers nos bastidores de um show, como se eu fosse colunista de alguma revista de fofoca. Lamentei o ocorrido com a certeza de que o desentendimento só alegra os inimigos da cultura de rua, criada, vale lembrar justamente para adversários acertarem suas diferenças da maneira mais inteligente: com arte.

Infelizmente, vem se cristalizando no rap uma guerra para se estabelecer Os Reis da Rua, no campo de batalha: velho X novo.

Mal conseguia dar formas a essas ideias quando a briga avançou do backstage e pulou para cima do palco. Pronto, o show estava nos jornais, sites e na TV, aqueles que nunca deram uma linha, um minuto, uma notinha para promover o rap, passaram a alardear com todo o sensacionalismo que garante a audiência e suas obesas contas bancárias. É isso mesmo produção? Agora, corta pra mim.

Não estava envolvido diretamente em nenhum dos casos e, se trato do tema, não é em defesa do lado A pra atacar o B. Quem me conhece tá ligado que não abraço polêmica pra garantir uns likes a mais, mas omissão também é crime e desse mal eu não morro: Escrevi um livro chamado “O Hip-Hop Está Morto!”, criticado por quem não leu, enfrento ao meu modo os dilemas da nossa cultura. E se agora falo dessas tretas é porque ela enfraquece nosso movimento. Taí uma coisa que não precisamos importar do Hip-Hop gringo. Tupac X Big, quem venceu? Os contrários ao Hip-Hop.

Lí o texto de um rapper explicando sobre o conteúdo de sua letra, jamais tinha visto um rapper ter esta atitude, com exceção talvez de Gabriel O Pensador, em LôraBurra. Aliás, um cara talentosíssimo, à frente de seu tempo e que o rap não teve capacidade de compreendê-lo e acolher devidamente em nosso movimento. Tomara que a gente aprenda com os erros e não volte a cometê-los, pois entre nossos artistas de ponta temos alguns que carregam o prestígio do reconhecimento estrondoso na música com “M” maiúsculo, e poderiam fazer como a maioria dos astros do futebol que esquecem do campinho de terra de onde vieram. Ao contrário, fazem questão de dizer, defender e honrar sua postura no Hip-Hop.

É verdade, ninguém tem o direito de brincar com o sonho de ninguém, da mesma forma, ninguém deveria interromper com violência o corre de ninguém. É a síndrome do padre irlandês da Olimpíadas de Atenas, que faz da gente Pé-di-breque de quem tá correndo, prosperando, abraça e num deixa o maluco cruzar a linha (até pra se estrepar com a fama depois, se for o caso). Igualdade malucão, não é querer zuar todo mundo pra ficar igual a você: zuado também. O nome disso é mediocridade, tiu.

Criticam um MC porque participou de um Reallity Show. Me questionam o que eu penso a respeito. Eu digo:

– Deixa o cara trabalhar mano!

– Mas então você dá apoio?

Quem sou eu para dar apoio a alguém? Tanto parceiro nosso aí cai na tranca, vão parar numa maca, outros tem menos sorte e são jogados direto no caixão, às vezes por causa de um tênis, outras por uma besteira menor, um mal entendido, esses precisaram de apoio, e mesmo assim não sei como apoiar. Nas eleições de 2008 tivemos quase 40 candidaturas de pessoas ligadas ao Hip-Hop, esses precisaram de todo o apoio do movimento, esses eu apoiei. Aquele que concorda em participar de um programa de TV, não precisa de meu apoio, desejo que tenha consciência e sabedoria para utilizar a oportunidade da melhor maneira.

A rima com os dois tipos de MC’s, soa arrogante, só incomoda porque tem alguma verdade. O rap diz pregar a realidade das ruas, isso também soa arrogante, né não?

Que engula a banana jogada no campo com casca e tudo quem nunca errou.

Enquanto resolvemos a treta em nosso quintal para decidir quem serão Os Reis da Rua…,

…o asfalto continua marcado por uma mulher que foi arrastada por uma viatura, os postes estão repletos de garotos amarrados sem roupas, a sarjeta tem sido o travesseiro e as calçadas o lençol de muitos, os pedaços de pau são os que mataram outra mulher tida como sequestradora, por boatos. “… quase todos pretos”.

As avenidas se tornaram a passarela de um povo que diz que acordou, não vejo passeata contra a falta d’água direcionada ao genocida governador do Estado, é mais moderno protestar contra a Copa. Isso, compra na banca e queima o álbum de figurinhas ou a foto do Pelé. Nas passeatas em que participei a gente queimava era a bandeira americana e dizia ‘não’ ao FMI.

Espero profundamente que o rap não perca a capacidade de se incomodar com os problemas realmente sérios e deixem as questões corporativistas e o ego trancados no cofre.

Luto para o Hip-Hop ser reconhecido como patrimônio cultural tombado, não pra tombar aliado. Isso já faz us caniceiros, atrasalado, Pé-di-pato.

Sei, eu nem rimo.

Mas justiça com as próprias mãos tá em voga, com respaldo da âncora que concorda. Desculpa avisar, errre a pê não é GTA.

Se um irmão nosso erra, é como uma pessoa que se acidenta, é necessário muito cuidado para resgatá-lo, caso contrário só agravará a lesão.

Essa guerra não é do bem contra o mal, é de um irmão nosso contra outro irmão nosso. Aprendi com o próprio Hip-Hop a não destruir nossas lideranças, por mais frágeis e equivocadas que estejam. Devemos criar e fortalecer cada vez mais nossas referências.

Não menciono os nomes, porque é desnecessário, quem não sabe quem são os envolvidos, é porque não é pra saber.

 

O novo tem energia

O velho tem experiência

O novo é ousado

O velho tem tradição

O novo é futurista

O velho é clássico

O novo é imprudente

O velho carrega vícios

O novo exige seu espaço

O velho exige respeito

 

Finado Sabota eternizou esse porém:

“Cheguei no sapatinho” / “Respeito é pra quem tem”

 

O novo e velho não são pessoas, não é o artista Fulano de Tal, novo e velho são as atitudes, mora dentro de você. A sabedoria é aprender com os dois.

Fácil é disfarçar a covardia para parecer corajoso. Difícil é ter a coragem de se passar por covarde e pedir:

Paz!

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