Cidadão Kane é o mais novo trabalho de Maurício DTS
No extremo da Zona Sul de São Paulo, entre igrejas, bares, loucos e alucinados, tem que ser diferente pra fazer um Rap brilhar, apelidado como vaps, como gangueira, como Rap de verdade, a Zona Sul forja algo entre o ritmo e a poesia que ecoa pelo Brasil durante anos.
A base da música é um trabalho a parte, assim como o poema que vem acalentar os ônibus lotados e as lotações com nomes de bairros, que só quem mora conhece ou tem coragem de ir lá.
Na letra, Um Brinde Falso Feat. Reinaldo A286 & Dj Caique Dias, a frase tem corpo pra puxar a canção. “Ganhei o Oscar de roteiro mais original, porque o rap que eu canto ainda é real”
É um tipo de frase que só quem cursou a faculdade do sofrimento e se formou nela, pode narrar.
Ou como ousar desafiar a tecnologia e a busca por notoriedade. “Chicotes em forma de like não vão me educar (nem me escravizar)”.
Mauricio DTS vem com compositores e parceiros de peso, como o Mano Ti, que compôs grandes músicas do Detentos do Rap, além dos novos rappers Spinardi do Haikaiss e Xamã.
A maioria dos moradores tem essas experiências, o crime, a questão da abordagem e abuso policial, a falta de imersão do estado nos problemas cotidianos. Se você não vive isso, jamais vai saber pra que serve um Rap de protesto, uma injeção capaz de curar quem está sofrendo todos os impactos de um sistema doente.
Eu te pergunto quantas vezes é necessário cantar um música sobre seu filho para poder deixar ele ir de vez? Talvez pra sempre. Por isso esse disco traz duas músicas dedicadas ao seu filho, falecido em 2014.
Se todo artista canta por público, alguns por sexo, dinheiro, outros por palmas, os rappers do extremo Sul cantam para não enlouquecer, cantam para não matar, para não traficar, e as vezes cantar uma vida inteira ainda não breca uma vida criminal.
Ser protagonista de uma história violenta, e mesmo assim querer gravar e participar do cenário musical brasileiro, rivalizando com rádios e shows com carreiras pontuadas e patrocinadas por grandes empresários.
É uma afronta ao sistema quando um favelado decide gravar um disco, ainda mais com um time de peso na produção: Gedson Dias (que produziu Racionais MC’s), DJ Cia (RZO), DJ Dri, Lino Krizz, Adriano Roma, Devasto Prod., DennisVille.
Se cada morador da periferia brasileira tem a célula da reivindicação e da luta, isso não sabemos, Mas que alguns tem o fator de resistência acima do normal, isso tem. “Minha voz não se cala, psiu, não da pala, puto cê cabe no meu porta-mala”.
Enquanto muitos querem ser bons empreendedores, alavancar carreiras, escalar negócios, contar vantagens na vida e nas letras, alguns querem provocar, tumultuar, fazer a confusão, ou reviver o verdadeiro espírito do Rap, que é a contra cultura, não aceitar o que o sistema inflige.
“Ooh! Eu tô ligado que o que eu falo incomoda mesmo É meu papel jão, não vai entrar em desespero”.
O que posso garantir nesse disco é uma coisa muito relativa hoje em dia, pelo menos nas composições de todo esse trabalho é encontrada, na levada rápida ou na rima mais lenta, no pedido de paz ou da violência, no suspiro e até no silêncio, está lá. A cada letra a cada verso. A verdade.
Texto: Ferréz
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