Cooperifa dissemina o vírus da cultura durante 6ª Mostra Cultural
Texto: Elaine Mafra
Fotos: Mandrake
Outubro não é um mês comum, pelo menos para quem mora na Zona Sul de São Paulo. E até mesmo quem mora em outras regiões acaba se contaminando. Porque o vírus da cultura se espalha rapidamente entre um povo tão carente de arte, entretenimento e poesia.
Outubro não é um mês comum, afinal Dia do Poeta é uma vez só no ano, e não por coincidência é também aniversário da Cooperifa, responsável por disceminar o vírus da cultura na periferia paulistana. Há 6 anos o mês de outubro é ainda mais intenso, já que é quando acontece a Mostra Cultural da Cooperifa, onde shows, seminários, entretenimento, literatura e muita poesia tomam conta do Zona Sul.
Este ano a Mostra Cultural da Cooperifa começou no dia 19 e se estendeu até 27. O cerimonial de abertura foi no CÉU Casa Blanca e teve apresentação da Banda Aláfia e Banda Poesia Samba Soul. O RAP caminha lado a lado com a Cooperifa e esteve presente em quase todos os dias da Mostra. No dia 20, o rapper PX, o grupo NSN e a banda Quarta-feira de Cinzas deram o ritmo da noite na Fábrica de Cultura São Luis. Já no dia 22 foi a vez de Jairo Periafricania, que descobriu na Cooperifa o prazer pelas palavras, apresentar suas músicas enraízadas em tudo que aprendeu no Bar do Zé Batidão. No mesmo dia Crônica Mendes, do grupo “A Família”, fez um belo show com clássicos que marcaram sua carreira e também canções do disco solo que acaba de ser lançado.
O vírus do teatro também esteve solto por estes dias e acreditem, contaminou centenas de moradores da periferia, gente que nunca antes tinha assistido uma peça teatral teve a oportunidade de se esbaldar na teatralidade. A peça “Fininho e Magrelo no Mundo dos Sonhos” arrancou muitas gargalhadas de crianças e adultos no CÉU Capão Redondo. Na EMEF Oliveira Viana, a CIA. Decálogo Jalc, promoveu uma reflexão a respeito de uma sociedade dominada ao se esquecer de sua cultura, com a peça “Angela: Nos Fragmentos de uma Chama”.
Um dos momentos fortes da temporada cultural foi no dia 23, onde a Cooperifa comemorou 12 anos. E o que não faltam são motivos para comemorar, afinal nestes 12 anos a Cooperifa transformou o Bar do Zé Batidão em centro cultural, realizou saraus, promoveu a valorização da literatura, incentivou a leitura e criação poética. A Cooperifa também fez sarau nas escolas e presídios, chuva de livros, ajoelhaço, cinema na laje… E é por essas e tantas outras atividades que a periferia de São Paulo entoa: “Uh Cooperifa”!!!
A África não é só miséria
Para fechar a semana em grande estilo, uma palestra com Salomão Jovino da Silva, músico, professor e doutor em história social pela PUC SP. O bate-papo foi no CDHEP Capão Redondo e contou com a presença de alunos das escolas da região que tiveram a oportunidade aprender um pouco mais sobre a história.
Jovino ressaltou a importância de se conhecer a fundo as raízes africanas e não se contentar com as mensagens passadas pela grande mídia. Mostrou belas imagens da África, como construções piramidais de arquitetura incrível e crianças felizes sendo cuidadas por suas mães. Segundo ele o fato dessas imagens não serem difundidas na mídia, apenas a de crianças magérrimas implorando por comida e outras de mesma dramaticidade, são uma maneira subliminar de transmitir a mensagem que a África é ruim e que deve ser esquecida. “Não é que não existe miséria e fome na África, mas não tem só isso. Miséria e fome existe aqui também, existe até na nação mais rica do mundo, que são os Estados Unidos”, declarou Jovino.
O público presente teve ainda a honra de conhecer a África pelo olhar da geografia, da música e da religião. Depois da palestra, como de costume, foi aberto para as perguntas, o que movimentou a todos. Muitas questões foram levantadas e Jovino esclareceu as dúvidas e encerrou a palestra com a seguinte declaração: “Nós avançamos bastante, mas ainda é muito pouco perto de tudo que fizemos. Nós extraímos o ouro, construímos as cidades, as mansões. Tudo que foi conquistado foi a duras penas. Às vezes temos que convencer nossos pares que nossa luta é justa.
Dia das Crianças é dia de Leitura
No M Boi Mirim o Dia das Crianças foi no dia 26 de Outubro e a atração principal foi a distribuição de 1500 livros infantis. A preocupação da Cooperifa é formar um público de leitores ainda pequenos, que levem para a vida adulta o hábito da leitura. O evento foi realizado na EMEF M Boi Mirim II e teve ainda um circuito circense onde a criançada pode aprender várias acrobacias e vivências do circo.
E para completar a alegria dos pequenos, os palhaços Figueiredo e Piaçava fizeram brotar lindos sorissos de atentos espectadores. O grafite também marcou presença no Dia das Crianças do M Boi Mirim, enfeitando os muros da escola de arte, cor e beleza.
O rap dominou…
A fila em frente a Fábrica de Cultura São Luís denunciava que ali estava prestes acontecer mais uma ação revolucionária. O relógio se quer marcava 17h e o público já estava aglomerado nos portões, ansiosos para garantir um bom lugar em frente ao palco. Tanta inquietude não era exagero, já que ali estaria nada mais nada menos que Mano Brown.
Quem abriu a noite foi o anfitrião Sérgio Vaz, fundador da Cooperifa. O entusiasmo de Vaz é algo contagiante. A voracidade na sua voz, a destreza como domina as palavras, a rapidez como constrói os pensamentos desperta a atenção dos ouvintes. Vaz incitou a juventude presente questinando quem dali iria para a faculdade e fez todos berrarem bem alto, e com muita certeza, que iriam sim para a faculdade. Antes de chamar o primeiro grupo de RAP ao palco, Vaz declamou: “Bruno matou o pai, a mãe e avó. Bruno matou todo mundo de saudade, quando foi para a faculdade”. Foi lindo de ver, emocionou e fez despertar no coração de muitos um desejo que fica abafado no dia a dia. E finalizou com a frase: “Vida loka é quem estuda”.
A primeira atração foi o grupo Versão Popular, formado há 11 anos. Um dos diferenciais do VP é integrar a poesia em suas composições inteligentes e objetivas. O show começou com “É a vez, é a voz, é a voz é a vez” e já nas primeiras rimas era possível ter certeza que essa era mesmo a vez do grupo Versão Popular mostrar todo seu talento e afinidade com a periferia. O refrão de “Sem Palavras” empolgou ainda mais o público que cantou junto: “Salve os verdadeiros, salve os francos os guerreiros, axé muita fé, pra quem corre o tempo inteiro”. Num clima de cumplicidade o show foi seguindo enquanto a noite caía. A plateia se empolgou ainda mais ao ouvir a voz de Kelly, que representou muito bem todas as mulheres da quebrada e encantou com sua voz doce e afinada. Para finalizar o show, o Versão Popular chamou ao palco a família Cooperifa para juntos cantarem: “O que tem que ser será”, hino do Versão Popular.
Na sequencia foi a vez de Mano Brown subir ao palco. Brown não é só o líder do Racionais, é o líder de toda uma geração carente de ídolos, de personalidades com identidade periférica. Ainda na década de 80 Brown deu voz ao povo da periferia através de suas letras. Canções que se tornaram clássicas e se mantêm atuais até os dias hoje. Uma delas, “Fim de Semana no Parque, entrou no repertório do show na Fábrica de Cultura.d A noite foi embalada ainda por hits mais modernos, como “Mulher Elétrica”, “Boa Noite São Paulo” e “Gangsta Boogie”. A surpresa ficou por conta de duas músicas inéditas, que soaram como um presente ao público que estava animadíssimo. Mesmo depois de uma dezena de músicas, o público ainda parecia insaciado, mas infelizmente o show precisava acabar…
O último dia
O domingo, 27, foi o último dia da Mostra Cultural da Cooperifa 2013. Depois de oito dias de atrações, a Zona Sul já estava enchendo seus pulmões com o mais puro ar da cultura. Era dia de encerramento, mas nem por isso motivo de tristeza, pelo contrário, só haviam motivos para comemorar. O local escolhido para celebrar a despedida foi a Casa de Cultura M Boi Mirim, em Piraporinha.
As atividades começaram com a apresentação do grupo de capoeira de Angola, “Irmãos Guerreiros”, fundado em 1983 por Mestre Baixinho e seus irmãos Guerreiro e Macete, daí o nome “Irmãos Guerreiros. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), marcou presença e vestiu a camiseta da Cooperifa. Ele bem que tentou não chamar muito a atenção. Entre um pedido de foto e outro, assistiu ao show de Izzy Gordon.
A diva do jazz e soul fez um show emocionante, que marcou a abertura da turnê que comemora 20 anos de carreira. Filha do músico internacional Dave Gordon e sobrinha de Dolores Duran, uma das compositoras de samba mais consagradas do Brasil, Izzy Gordon conviveu em sua infância com grandes nomes da MPB, como Jair Rodrigues, Tim Maia e Rita Lee. O público que lotou a Casa de Cultura M Boi Mirim pode assistir Izzy passear do samba, ao R&B, passando pelo soul e pop com igual desenvoltura. Até o RAP de Criolo integrou o repertório com “Subiramosdoistiozinho. Foi um show incrível de uma cantora que tem uma carreira muito respeitada, longe dos holofotes da grande mídia.
A noite estava repleta de talentos que honram a periferia e a próxima atração veio da Paraíba e fez a Zona Sul cantar em coro “Mama Africa”, “A Primeira Vista”, “Pensar em Você”, entre outros grandes sucessos. A simpatia, o sorriso fácil e a pluralidade cultural são algumas características que encantam em Chico César. Num show intimista, o cantor revisitou seu primeiro disco Aos vivos, gravado em 1994, que teve participações um tanto especiais para a época, como Lenine e Lanny Gordin. Depois de apresentar suas principais canções ele se despediu do público, mas logo teve que voltar com os infinitos pedidos de bis. Dessa vez, com um violão vazado que por si só já era uma atração a parte. Mais uma música e então Chico César finalmente encerrou sua belíssima participação na Mostra.
E a cada atração que se encerrava, mais perto estava o fim de mais uma Mostra Cultural da Cooperifa, o que representava um misto de tristeza e alegria. Depois de Chico César foi a vez de Edi Rock, que junto com Pixote e a banda “Us Fora da Lei”, formada por Eduardo Plik (Guitarra), Andres Salazar (saxofone), DJ Kefing e nos vocais, Simone Brown, Nego Jam e Daniel Quirin, apresentarem as canções do novo disco solo “Contra nós ninguém será”. Destaque para “Cava Cava” e “Reggae Man e os Vida Loka”. Como não podia deixar de ser, Edi Rock cantou também clássicos do Racionais MCs. O show foi finalizado com uma das mais belas canções do RAP NACIONAL. “Thats my Whay” foi cantada em coro pelo público do início ao fim.
“Eu não sei dizer, o que quer dizer, o que vou dizer”, os versos de Lenha, uma das mais belas canções de Zeca Baleiro, foram para esta simples repórter um dos pontos mais fortes de toda a cobertura feita durante a 6ª Mostra Cultural da Cooperifa. Seja pela leveza de seus versos, por sua interpretação ímpar ou ainda por fatores subjetivos impossíveis de descrever. É comum se dizer que o evento foi fechado com chave de ouro, mas nesse caso ouro é pouco para o valor que o show de Zeca Baleiro teve. O público parecia em êxtase ao acompanhar cada música do repertório, que foi baseado em seu último trabalho, “O disco do ano”, lançado em 2012. Mas o cantor ainda presenteou os fãs com sucessos antigos como “Disritmia”, de Martinho da Vila, e encerrou a noite com os versos de “Chão de Giz”: “no mais estou indo embora!”
Zeca Baleiro se foi e com ele nove dias de muita cultura na periferia. Mas esses nove dias eram só uma mostra do que a Cooperifa faz diariamente, desde que foi fundada há 12 anos. A missão da Cooperifa é muito maior do que a da poesia. O que eles fazem é ensinar para toda uma geração o significado do que realmente é revolução. “”É preciso mostrar para essa molecada o que é realmente revolução. Só escrever letra de RAP não é suficiente. Tem tiazinha na quebrada, que nem sabe ler e escrever, e essa sim faz revolução e atua em prol da comunidade”, declarou Sérgio Vaz.
Aguardem, no próximo programa da TV RAP NACIONAL um especial da 6ª Mostra Cultural da Cooperifa com imagens e depoimentos de várias personalidades que participaram do evento.