[LM] Assalto ao Banco Central – Daniel Costa

– Oi, dona Rosa, o Nego tá aí?
– Tá lá no quarto, entra lá.
– Licença aqui dona Rosa.
– E aí moleque doido, suave?
– Cê num morre mais, hein, André?
– Carái! Já tava falando mal de mim?
– É nada. Já ia cola lá na sua casa pra pegar algum CD de rap emprestado.
– Entendi… E eu vim te chamar pra dá um role mano.
– Qual que é o role?
– Vamo cola ali no shopping pra assistir um filme?
– Putz, mano!  Tô sem dinheiro.
– Eu to te chamando, carái. Apostei trinta reais no Coringão com o China e ganhei, vamo aí!
– Ah, se você vai pagar, vamos! Tô precisando dar um role mesmo, sair um pouco da realidade.
– É, mano. Vamo assistir aquele filme lá do assalto ao banco central?
– Orra, vamos sim! Vou tomar um banho rapidão, me espera aí!
– Demoro, vai lá!
 
– Vamo aí, André? Tô pronto.
– Carái, mano. Muto louca essa camisa da Um Da Sul, hein?
– Da hora, né? Ganhei de uma mina daqui da quebrada.
– Óh, aí sim hein!
 
– Mãe, tô indo ali no shopping Campo Limpo com o André, tá?
– Tá bom meu filho, vai com Deus e não chegue tarde, tá?
– Pode deixar mãe.
– Fica tranqüila dona Rosa, seu filho tá comigo!
– Olha lá, hein, André!
– Tchau dona Rosa.
– Tchau, vão com Deus!
 
– Ó o busão ali, mano. Corre!
– Carái, grita aí, André.
 
– Opa, valeu motorista!
 
– Aí, cobrador. A gente pode passar por baixo?
– Passa aí!
– Valeu!
– Vamo sentar ali no fundo, óh, Nego.
– Vamo.
 
– E sua mina, André? Como que tá?
– Que mina, tio? Já era!
– Vixi, por que, mano?
– Ah, ela veio meter o louco pro meu lado, falando que era pra eu começar a trampar pra gente casar, aí logo mandei ela passear na lua, óh, mano.
– Mas ela tá certa. Cê já tá com quase vinte anos nas costas já, mano.
– Ah, Nego. Na moral… Não vem você com esses papo também não. Já basta ela.
– Cê que sabe, André.
– Mas aí, Nego. Tá rolando um boato lá na favela de que sua mina tá grávida, é quente essa fita aí?
– É sim, mano. Quatro meses já. Agora fudeu pro meu lado!
– Vixi, e você vai fazer o que mano?
– Ah, mano. Provavelmente eu vou morar com ela naquele quartinho dos fundos, lá em casa mesmo, tá ligado? Já tô juntando um dinheiro no banco pra comprar algumas coisas.
– Entendi… É isso mesmo!
– Chegou, vamo descer, mano!
 
– Óh lá. Começa nove horas o filme, já vamo comprar os ingressos e dar um role no shopping.
– Vamo! Cê que manda, André!
– É nóis, carái!
 
– Olha aqueles boné ali, mano.
– Muito louco, né, Nego?
– É. Só que é caro pra porra!
– É quente.
– Olha aquele jaco, alí, mano. Muito louco!
– Nossa, tio. Quando eu ficar rico eu vou comprar todas essas roupas dessas loja aqui!
– Do jeito que você tá indo vai demorar, hein, mano?
– E aí, tio? Vai roubar minha brisa mesmo?
– Tô falando a verdade, André!
– Ah, pára, vai, Nego!
– Olha aquele Nike ali, mano.
– Vixi, lá na quebrada todo mundo tem já. Os maluco roubaram um caminhão e venderam pros moleque a preço de banana!
– Entendi.
– Carái, mano. Olha a hora. Já vai começar o filme!
– Eita porra, vamo aí.
 
– Carái, já tá lotado, mano.
– Fala baixo, tio! Já começou o filme!
– É memo! Vamo senta ali, óh. Tá vazio ali.
– Num pode, mano. Tem que sentar no lugar que tá no ingresso! É ali, óh!
– Vamo lá.
 
– Carái, mano! Que filme louco!
– É memo. Da hora!
– E na hora que os maluco entra no cofre? Se é louco! Dinheiro demais!
– Eu acho que eu ficaria doido se pegasse tanto dinheiro igual eles.
– Eu ia logo comprar um carro e uma moto, óh, Nego.
– Um só? Você poderia comprar a loja inteira, tio!
– É quente!
– Vamo lá pro ponto de ônibus mano, já tá tarde.
– Ônibus, tio? Cê num queria sair da realidade?
– É memo.
– E outra, os busão essa hora deve tá igual lata de sardinha!
– É, né, mano? Pegar busão lotado nesse calor é osso! Vamo aí!
– Olha lá um busão, lotado!
– Se é louco! Vamo a pé mesmo, é mais suave!
 
– Aí, Nego. Vou comprar um refri aqui no bar, mano. Espera aí.
– Demoro, vai lá.
 
– Vamos pela Estrada de Itapecerica mesmo?
– Vamo sim, é mais rápido!
 
– Se é louco, mano. Num gosto dessa área aqui não!
– Por que, André?
– É muito parada, sem movimento essa hora, tá ligado?
– Tá em choque?
– Num é isso, Nego. O bagulho é sinistro, mano.
 
– Tô cansado, já, mano.
– Mas já?
– Já, tio!
 
– Vai, caraio! Pára aí, os dois! Coloca a mão na cabeça!
 
– Num tenho b.o. não, senhor.
– Cala a boca, neguinho!
 
– Pode virar pra mim com as mãos pra trás. Tão vindo de onde?
– Alí do shopping…
– Abaixa a mão, maluco! Quer morrer?
– Não, senhor.
– Foram fazer o que lá?
– A gente foi no cinema assistir Assalto ao Banco Central, senhor.
– Algum dos dois tem passagem?
– Não senhor.
– Tão com o RG aí?
– Sim, senhor.
– Cadê o seu, neguinho?
– Tá aqui, senhor.
– Puxa lá, Steve.
 
– Nada consta, sargento.
– Pode seguir o rumo de vocês aí.
 
– Aí, Nego. Posso te falar uma coisa?
– Fala, mano.
– Num tem como a gente fugir da realidade não, mano.
– É quente.

Daniel Costa é dono do blog Urbana Realidade (http://urbanarealidade.blogspot.com), está cursando o primeiro ano do ensino médio, tem 16 anos e mora na periferia da zona sul de São Paulo.

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