Debate sobre problemas da periferia marca Encontro de Literatura Marginal

Escritores como Renan Inquérito e Rodrigo Ciríaco estiveram presentes com o responsável pelo evento, Ferréz 

por Jéssica Balbino*

“Não podemos ficar omissos enquanto o mal reina na quebrada. Quem convive sabe. A única forma de contrapor é fazer nossa parte pela arte” . E assim Ferréz abriu o Encontro de Literatura Marginal no espaço do Fábrica de Culturas, no Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo neste sábado (3). Teve gente que atravessou dois estados – Minas Gerais e São Paulo – apenas para estar lá. Teve paulistano que ‘viajou’ mais de quatro horas, da Zona Leste somente para ouvir e declamar poesia no Super Sarau, batizado assim porque também queremos ser muito, ser grandes.

“Não podemos ficar omissos enquanto o mal reina na quebrada”_  Ferréz

“Temos duas opções, assistir o caos ou lutar contra ele. Encontros como este talvez não sejam para encontrar a cura, mas para falar da doença.”, destacou Ferréz, antes de iniciar o bate-papo com  o poeta, compositor e geógrafo Renan Inquérito, autor do livro#PoucasPalavras e criador da Parada Poética, no interior de São Paulo. Irreverente, Renan mesclou a conversa com a performance poética no melhor estilo poesia falada e lembrou da importância de encontro semelhantes, que aconteciam quando o hip-hop surgiu e ganhou as ruas do Brasil e que de acordo com ele são necessários atualmente.

“Quando o hip-hop surgiu, existiam as posses, que se reuniam para conversar, debater, lutar, entre outros. Mas com o passar do tempo e essa obrigação de ser apenas entretenimento, isso se perdeu, mas agora é hora da literatura marginal se levantar e fazer isso. Eu vejo os saraus e a literatura marginal como um oxigênio para o hip-hop, para o rap. Como uma ambulância. Quando faltam locais para cantar, declamar, os microfones dos saraus são os palcos para os MCs”, pontuou Renan Inquérito.

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Ainda para ele, o tempo da vivência na literatura marginal e nas rodas de discussão acerca do tema e de outras questões que cercam a periferia, como violência, acesso a direitos legais, tais como moradia, saúde, emprego e educação, é diferente do tempo do mundo. “Acho que existem dois tempos, o que vivemos e o que corre lá fora. Não podemos nos comparar com o mercado publicitário, com o funk, com o que quer que seja. É um exercício que faço: não me comparar. Tento ser melhor a cada dia e isso é o que devemos fazer. A longo prazo, ou no único tempo que de fato existe, isso terá um resultado positivo”, acrescentou o poeta.

“Tento ser melhor a cada dia e isso é o que devemos fazer.” _Renan Inquérito

Paralelo ao debate, autores como Almério Barbosa,  que escreveu o livro ‘Família Periferia’, falaram, assim como Germano Gonçalves, autor de “O Ex-Excluído”, além de Toni C., que montou a ‘Biqueira Literária’ com livros do selo LITERARUA, criado por ele mesmo e que distribuiu conhecimento em forma de livros, revistas e vestimentas.

Vendo pó…esia
“Vendo pó…vendo pó… vendo pó…esia”, os famosos versos do tráfico de conhecimento ganharam vida na voz e nas mãos do escritor Rodrigo Ciríaco, que faz o pré-lançamento da mais recente obra: um livro objeto de poesia concreta, durante o encontro. E se havia algum receito sobre o formato do livro, que fechado até lembra um convencional, mas aberto se passa por pôster, fanzine gigante e manifesto poético, ele foi quebrado com a presença de uma garotinha de aproximadamente dois anos.

“Uma menininha, afilhada do Ferréz no palco. Eu fui recitar, deixei o livro com o Renan. Ele abriu a caixa, sacou o livro, foi abrindo, abrindo. E ela foi lá. Pegou o livro. E abriu, dobrou, abriu de novo. O livro aberto, maior que ela. Esticou no chão, fez de tapete. Brincou, fez desenhos sobre os desenhos com o dedo. E se divertiu. E riu. E achou mó barato. O livro virando brinquedo. E se havia algum receio sobre o livro, sobre o seu formato, se havia alguma insegurança pela proposta, pela ousadia, ela ficou por ali. O livro chegou aonde eu mais queria: tocou uma criança. Ela brincou, gostou, se divertiu. E nunca antes eu tinha visto uma criança brincar tanto e se divertir tanto com um livro, principalmente o meu”, relatou Ciríaco.

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“O livro chegou aonde eu mais queria: tocou uma criança” _ Rodrigo Ciríaco

Ainda em alusão ao nome do livro de Ciríaco e ao episódio que deu origem ao trocadilho tão usado, foram distribuídos #PinosPoéticos aos presentes – pequenas cápsulas comumente usadas para embalar cocaína, mas com poesias dentro. O povo se entorpeceu de poemas.

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Super Sarau
Na sequência, o Super Sarau contou com poetas do coletivo “Os Mesquiteiros”, da Zona Leste da cidade, com o coletivo #Esquina, de Poços de Caldas (MG) e com representantes da Cooperifa e demais localidades de São Paulo, como o professor que reuniu textos de estudantes de 7º ano de uma escola pública e fez uma antologia, inspirado pela frase “Se a história é nossa deixa que nóis escreve (…)”. No palco, leu uma poesia sobre racismo feita por uma estudante de apenas 11 anos.

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“Sarau é sempre libertador e percebo que quanto mais pessoas, de diferentes locais e origens declamam, mas as que estão na plateia também quero tomar a palavra. Foi importante estar aqui, com escritores e poetas tão importantes para o nosso dia a dia e ainda conhecer pessoas, trocar experiências. Foi enriquecedor”, considerou Thaís Costa, uma das integrantes do #Esquina.

Rappers como Ylsão Negredo também marcaram presença no encontro e fizeram questão de ressaltar a ligação entre a literatura marginal e a palavra cantada do Ritmo, Amor e Poesia (RAP). A integrante do coletivo Mesquiteiros, B.O., também deu um show musical no palco.

Pela primeira vez de microfone na mão, o fotógrafo Márcio Salata, que costuma fazer poesia por meio das imagens foi intimado por Ferréz a declamar algo e arriscou-se num texto autoral.

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“Você ,você, sim, você mesmo, que confortavelmente assiste tudo isso que acontece nas Peri-ferias,Peri-ferias, acha mesmo que não existe Pecado no Capão, que em Poucas Palavras discute, se o Hip Hop Está Morto, e logo já desiste da luta, porque já se curvou e viu que realmente Ninguém é Inocente em São Paulo, que pra variar perdemos a essência do que é Um Bom Lugar, que antes o C Conseguia muitas coisas, hoje ele crime como consequência cemitério, de ABC de Dicico, só porque Vendo Pó, Pó, Póesia, e vivo Traficando Conhecimento eles acham que nos conformamos em ser feito de tolos e não temos nosso Manual Pratico do Ódio, mas lá no fundo da Nossa Fortaleza da Desilusão eu penso que realmente Deus Foi Almoçar e que nunca teremos MUDANÇA.”, declamou

E antes das atrações musicais  que incluíram Drika Rizzo e a banda pernambucana Saco de Ratos e Wilson Jr. Trio, o escritor Mário Bortolotto declamou aos presentes. As atrações musicais são partes do projeto Coopermusic, organizado por Marcos Teles e que também mescla estilos musicais à literatura, em dois momentos, mas em um mesmo evento.

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No encerramento, Renan Inquérito mandou uma rima, que pode ser uma poesia, ou uma música, e que vai ao encontro do que foi debatido. “O funk pode até ser a trilha da quebrada, só que o RAP é muito mais que trilha, é estrada”.

“O funk pode até ser a trilha da quebrada, só que o RAP é muito mais que trilha, é estrada”. _Renan Inquérito

*Jéssica Balbino é jornalista

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