Dez anos sem Sabotage: obras póstumas recontam trajetória
Biografia, documentário, disco e tributo são preparados para 2013
Há 10 anos, o jornalista CarlosCarlos não acreditou quando recebeu a notícia “O rapper Sabotage, 29 anos, foi baleado na manhã desta sexta-feira, em São Paulo. O músico deu entrada no Hospital São Paulo às 6h08 e morreu às 11h25, de parada cardíaca” . Com o ingresso comprado para um show com o rapper, o grupo Z´África Brasil e o carioca MV Bill no Clube da Cidade em São Paulo (SP) ele lamentou, pensou em não ir ao evento, que foi quase adiado pelo organizador. “Eu liguei para o local onde seria o show e o cara que atendeu estava muito triste. Ficou muito tempo se lamentando, disse que pensaram em cancelar, mas que tinham decidido fazer mesmo assim. Eu e meus amigos pensamos em não ir, mas nos decidimos pelo sim e valeu a pena. Lá rolaram várias homenagens ao Sabota, inclusive o MC do show falou várias palavras sobre ele e frisou que ‘com certeza ele estará em um bom lugar’”, conta.
“Puta que o pariu! Foi assim mesmo que aconteceu a história do neguinho”, disparou Rappin Hood
A frase do também músico Raul Seixas: “Os homens passam, mas suas músicas e obras ficam”, foi repetida pelo menos três vezes pelos entrevistados desta reportagem, o que denota a importância das produções póstumas de Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, assassinado com cinco tiros aos 29 anos. O assassino, Sirlei Menezes da Silva foi condenado, em 2010, a 14 anos de prisão e cumpre pena em regime fechado.
Uma década após a morte de um dos maiores ícones do rap nacional, um livro, um documentário e um disco estão sendo produzidos e todos tem previsão de lançamento para este ano. O objetivo é contar, de forma detalhada, como se deu a carreira, como foi a vida e quais eram os assuntos delicados, como o tráfico de drogas, a favela, e as penitenciárias, na vida de Sabotage.
“Puta que o pariu! Foi assim mesmo que aconteceu a história do neguinho”, disparou Rappin Hood ao ler um texto de Toni C. sobre o rapper, publicado no livro “Hip-Hop à Lápis”. As palavras do músico foram um impulso ao desejo que o escritor tinha de pesquisar e assinar a biografia de Maurinho, que ele só conheceu mais a fundo depois de longas conversas com familiares e amigos.
“Desde 2003 eu tenho esse desejo de escrever sobre ele, que foi citado no meu romance ‘O Hip-Hop Está Morto!’, eu sou fascinado pela vida desse sujeito que é a cara do povo brasileiro, mas somente em 2012, quando me encontrei com seu filho Wanderson dos Santos, o Sabotinha, morando na mesma favela em que o Sabotage passou os últimos dias, pude então falar dessa minha intenção. A família concordou e o sonho agora se torna realidade”, pontua o autor, que pretende destinar 50% do dinheiro obtido com as vendas da biografia para a família de Sabotage, que quando faleceu deixou três filhos e a esposa.
A previsão de lançamento da obra é o mês de abril, quando o artista completaria 40 anos. Para abril também está marcado um tributo, ainda sem local definido, mas com convites feitos aos principais rappers do país.
“A família concordou e o sonho agora se torna realidade”, diz Toni C., autor da biografia
No próximo sábado (26) acontece um tributo no Clube Glória, na capital paulista.
Sabotage: O Maestro do Canão
Mesmo póstuma, a familiaridade do Sabotage com as telas é notória. Ele já atuou em filmes como “O Invasor” (2001) de Beto Brant e “Carandiru” (2003), de Hector Babenco.
O documentário “Sabotage: O Maestro do Canão”, produzido e dirigido por Ivan Vale Ferreira chega com depoimentos de Mano Brown, Thaíde, Rappin Hood, Helião (RZO), Daniel Ganjaman, Hector Babenco, Beto Brant, Thaíde, Paulo Miklos, Mandrake, entre outros e pretende desvendar parte da história do rapper. A inspiração, surgida a partir de uma visita ao Canão e da receptividade de Sabotage, em 2002, já rendeu um documentário pequeno, mas o diretor reconhece que esta década foi fundamental para chegar ao que já se forma como o produto final. “Esta década foi essencial para eu amadurecer e conseguir costurar as informações que precisava para contar a história dele com propriedade”, diz.
“Ele foi o Che Guevara do rap. Revolucionou a vida dele, do movimento e entrou para a história”, reforça Alexandre de Maio
O longa terá depoimentos, imagens de arquivo, de shows e o que não foi possível traduzir para a linguagem do vídeo, ganha contornos a partir das ilustrações feitas por Alexandre de Maio. O jornalista e quadrinista dá forma ao que, segundo o produtor “são coisas difíceis de serem ilustradas e delicadas por se tratarem de um envolvimento com o tráfico”, revela.
Para chegar aos traços exatos, o quadrinista que considera o artista um revolucionário: “ele foi o Che Guevara do rap. Revolucionou a vida dele, do movimento e entrou para a história”, dedicou bastante tempo para a HQ que conta toda a história do rapper e será também animada. “ As ilustrações tem a função de mostrar a importância do artista e do Maurinho”, define.
O processo de pesquisa vem desde sempre e imprime, em traços e cores, parte da história do hip-hop brasileiro nos desenhos. “Eu convivi muito com ele, mas também pesquisei muita coisa em jornais, nas revistas RAP BRASIL que eu fazia e também no material captado pelo diretor do documentário antes dele morrer. Contudo, toda essa obra póstuma mostra que ele estava a frente do seu tempo e vem para reformar a importância dele para a cultura brasileira”, frisa.
A responsabilidade é grande, já que o documentário assumiu a missão de contar a história do Sabotage como artista e a história do Maurinho como filho, pai, amigo e marido. A essência do artista, segundo ele, vai ser mantida, assim como muitas histórias revelas. “É um filme sério, mas as pessoas também vão dar muita risada. Temos histórias hilárias que ajudaram a mostrar a figura carismática que ele era”, anuncia Ferreira.
Para atiçar o público, o teaser foi liberado na véspera da data em que completa-se 10 anos sem o artista.
Assista ao teaser Sabotage: O Maestro do Canão
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“Canão foi tão bom”
O álbum, com 14 novas faixas tem a produção de Daniel Ganjaman, Rica Amabis, Tejo Damasceno e Dj Cia e tem a alcunha de “eclético”. A música “Canão foi tão bom”, já foi divulgada e dá nome ao disco. Ela vem acompanhada, por exemplo, de uma faixa em que Sabotage arrisca um blues em homenagem a Chico Sciense e também um samba, feito com trilhas de hip-hop.
Uma década depois e com os negócios do rapper assumidos pelo filho, o Sabotinha, o resultado será fruto de um trabalho iniciado por Sabotage e que seria seu segundo disco. Na semana em que morreu, ele trabalhou em várias faixas de segunda a quinta-feira. Morreu na sexta e deixou, além de muitas lembranças, o legado e a obra inacabada.
“Quantos artistas você conhece que irão lançar tantos produtos neste ano?”, indaga Toni C.
As músicas pré-gravadas por ele integrarão o álbum, que vem também com uma participação de Sabotinha ao lado de Sepultura. O rap “Sai da frente”, que ficou de fora da trilha sonora de Carandiru também estará no álbum.
“Respeito é pra quem tem”
Sampleada, tatuada, digitalizada, estampada, graffitada, cantada e gritada, esta é uma das frases mais famosas de Sabotage presente no único disco lançado por ele, “Rap é Compromisso” – outra máxima do rap nacional -.
No entanto, o álbum datado de 2000 tornou-se um clássico do hip-hop brasileiro e até hoje inspira rappers e adeptos da cultura periférica com as frases. Em shows de rap, é raro não ver uma “homenagem”, com os artistas entoando as músicas que fizeram a carreira do Maestro do Canão.
Sobre as homenagens e produções póstumas, quem finaliza, com uma indagação é Toni C: “Quantos artistas você conhece que irão lançar tantos produtos neste ano?”
Trechos que homenageiam o artista
“Antes de Sabota escrever ‘Um Bom Lugar’
A gente já dançava o “Shimmy Shimmy Ya” (Criolo)“Tem mão que eu fico imaginado: eu, sem o rap
ia ser um Bezerra sem a malandragem,
o timão sem a fiel, Zumbi sem coragem,
um crente sem bíblia, Sabotage sem Canão,
um bar sem bebida, Brasilia sem ladrão” (Renan Inquérito)“Eu sou nota 5 e sem provoca alarde,
Nota 10 é Dina Di DJ Primo e Sabotage” (Criolo)
Respeito é Pra Quem Tem*
(por @RENAN_INQUERITO no livro #PoucasPalavras)
Maestro do Canão, filho de Oxossi
Morreu, ficou eterno aos vinte e nove
Deixou uma viúva e dois pivetes
Lembranças, saudades e muitos raps
Pixinguinha do Brooklin, ladrão rap resgatado
Preferiu trocar o 12 pela responsa dos palcos
Fez coisas surpreendentes e eu destaco duas delas
Misturou samba com rap e alegria com favela
Invasor da sul pro mundo, humilde até debaixo d’água
Atiraram no seu corpo mas nem relaram na alma
Apagaram nossa estrela como se fosse um incenso
Vida louca, cabulosa, o que vou fazer? Lamento
(ao som de Tim Maia)
Tá dentro do coração com amor e com carinho
Guardado num Bom Lugar, que Deus o tenha, Maurinho
“Um cara simples gostava mais de ouvir e aprender
até que…
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